O fisco passará a
exigir das empresas, a partir do ano que vem, o cumprimento de duas complexas
obrigações acessórias. O envio de arquivos eletrônicos com informações
trabalhistas, previdenciárias e fiscais, que serão compartilhadas com vários
órgãos do governo – o chamado e-Social –, equivale a colocar um Leão na sede de
cada companhia e, guardadas as proporções, dentro da casa de cada cidadão
brasileiro.
O cronograma de
entrada em vigor do projeto, considerado o mais abrangente do Sped (Sistema
Público de Escrituração Digital), já foi alterado quatro vezes. Mas as empresas
correm contra o tempo para se adaptar à nova realidade. Alteram-se processos
internos, revê-se o cadastro de funcionários e investe-se em software e
treinamento de pessoal. É imperioso se preparar para o jeito novo de lidar com
o fisco, em que qualquer deslize, como o envio de informações incorretas, pode
implicar em multas administrativas e autuações fiscais.
E, não bastasse o
e-Social,ainda vem por aí o Siscoserv, que visa coletar informações precisas
sobre o comércio exterior de serviços, tanto das empresas como das pessoas
físicas.
O e-Social envolve,
além da Receita Federal, a Caixa Econômica Federal, o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), o Ministério da Previdência (MPS) e o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE). Para dar uma ideia do grau de detalhamento de dados
exigidos, as empresas serão obrigadas a informar, por exemplo, quais de seus
colaboradores possuem casa própria e se a compra foi feita ou não com recursos
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). No caso de funcionário
estrangeiro, o fisco quer saber o estado civil e se e união é com brasileiro ou
não. E mais, se há filhos em comum.
De acordo com
especialistas, as exigências vão alterar profundamente a rotina de quase todos
os departamentos das empresas, como RH, jurídico, medicina do trabalho e
fiscal.
“É um desafio para as
empresas se adequarem ao e-Social, que exige um volume gigantesco de
informações e uma nova cultura, porque vai mexer com processos internos e fluxo
de dados entre os departamentos”, explica o gerente de produtos da Senior,
desenvolvedora de softwares, Ricardo Kremer. De acordo com ele, a Receita
Federal tem estimado em R$ 20 bilhões o montante que será arrecadado com o novo
sistema, incluindo valores que deixarão de ser fraudados, com o seguro
desemprego, por exemplo.
As grandes empresas já
estão se preparando para operar o sistema, pois serão as primeiras na lista de
obrigatoriedade. Há casos em que os eventos trabalhistas deverão ser gerados e
transmitidos à medida que ocorrerem. É o caso da admissão de funcionários.
Caberá às empresas comunicarem o governo até o início da atividade do
colaborador.
No caso de acidente de
trabalho, o evento deve ser informado no sistema, no máximo, um dia depois de
ocorrido. Afastamentos temporários e desligamentos terão prazo de 10 dias. E,
no futuro, as empresas serão obrigadas a informar a ocorrência de reclamações
trabalhistas, pois o pagamento de indenização dessa natureza influencia a base
de cálculo de tributos federais tanto de quem paga como de quem recebe.
Pelo último cronograma
divulgado pela Receita Federal, o prazo para as empresas tributadas pelo lucro
real se cadastrarem no e-Social vence no dia 30 de junho de 2014. A partir do
mês de julho, essas empresas serão obrigadas a enviar arquivos da folha de
pagamento e apuração de tributos.
Para as companhias do
lucro presumido, Simples Nacional, e os Microempreendedores Individuais, o
cadastro no sistema terá que ser feito até o dia 30 de outubro e, em novembro,
as empresas passam a ser obrigadas a enviar dados sobre a folha de salários. Os
órgãos públicos serão os últimos a operar o e-Social, a partir de 2015.
Na prática, a
quantidade de informações coletadas das empresas vai somar-se aos dados já
existentes no gigantesco banco de dados do servidor de uma tonelada conhecido
como T-REx. Além disso, haverá o detalhado cruzamento de informações feito pelo
software apelidado de Harpia – que tem a capacidade de “aprender” com o
comportamento do contribuinte. Tudo somado, resultará na redução do risco de
visitas fiscais improdutivas.
Com menos gente, a Receita
aperfeiçoa o controle da arrecadação, porque a fiscalização será certeira. Para
as empresas, entretanto, ocorre o oposto, pois cada vez mais carecem de mão de
obra, e qualificada, para dar conta do envio e controle das inúmeras obrigações
acessórias.
“Antes de
informatizar, é preciso simplificar, o que não ocorre no Brasil" critica o
economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo. "O
fisco, que tem recursos para uma estruturação tecnológica, ao contrário da
maioria das empresas, escolheu um caminho equivocado.”
Até custo de almoço deve ser informado.
Sigla de Sistema
Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que
Produzam Variações no Patrimônio, o Siscoserv já está em operação desde agosto
deste ano, mas o prazo para as empresas iniciarem o registro das operações foi
estendido para três meses após a prestação do serviço – no início, era de
apenas um mês. Esse é o tempo que as empresas têm agora para informar no sistema
as operações.
O Siscoserv é um
sistema informatizado criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC) e a Receita Federal para que sejam registradas as
transações de compra e venda de serviços no exterior. Com a ferramenta, o
governo terá estatísticas sobre o comércio exterior de serviços, que
historicamente acumula déficits. Estão livres de declarar a venda e compra de
serviços as empresas optantes do Simples Nacional e os Microempreendedores
Individuais (MEIs).
A exigência tem
causado dor de cabeça porque é totalmente nova, com um alto nível de
detalhamento de dados. As empresas deverão informar, por exemplo, desde o valor
pago no almoço de um executivo em viagem a negócios no exterior, até a compra
de um software com cartão corporativo, passando por gastos com hotéis. As
pessoas físicas também são obrigadas a registrar despesas com serviços no
exterior para valores superiores a US$ 30 mil.
Uma das principais dificuldades encontradas
pelas empresas obrigadas a prestar as informações é definir a data do início do
serviço. A obrigação de registrar os dados começa nessa fase. Não é a do
pagamento. Isso gera insegurança, porque é difícil precisar a data exata. O
nível de detalhamento é tão alto que a grande discussão dentro das empresas é
selecionar qual a área mais adequada para o processamento das
informações. Fonte: Fenacon